26 de abril de 2009
Eu digo, Rosemary
às
01:20
Eu digo, Rosemary, que a nossa vida está se acabando. Está. Eu tento entender o motivo, o porquê, a razão, o propósito, o warum. Está se acabando numa espiral que se desmancha como uma valsa murcha e frouxa, como lençóis, lençóis livres e brancos. Eu me lembro do ruído do seu nome, Rosemary, das suas fotografias. Antigas. Eu escrevia o seu nome no meu caderno, Rosemary, Rosemary, Rosemary, você. Você em preto e branco, você em sépia, você em neblinas inebriantes que num puf descrente não mais! Você, no ciano das linhas tortas dos meus escritos, Rosemary, povoava-me, como uma cidade, entende? Acho que não, você não entende nada, Rosemary -- e olha que eu te digo tudo... Você é o espaço entre as reticências, você é a tinta do espaço entre as palavras que me fogem à cabeça -- você está lá, inerente a mim, incessante em sua glória escapulida e acidental, porque você é acidental. Você foi um erro fortuito de Deus, Rosemary, e tudo o que vem de você é fruto do acaso mais banal. Cada molécula do seu corpo, Rosemary, cada pouca molécula, cada quark de você, vibra na sua coincidência divina e única e tão singular, tão sui generis que só você, Rosemary, ah, só você consegue entender os meus devaneios, com esse seu não-entendimento burro. Você, que é invenção do meu passado trágico, como um delírio de uma quérquera qualquer, você não me entende, Rosemary, e não lhe peço que entenda! Eu entendo o seu não-entender, eu o adoro, eu o admiro. Mas, às vezes, Rosemary, nesses inumeráveis vocativos acessórios de que disponho, eu encontro uma letra verdadeira, um acento, um, um, um fragmento qualquer de tinta, ou de bit do computador, que complete você. É o seu nome, Rosemary, o seu nome eterno e vacilante, que sangra dos meus dedos numa constância tão irreal e súbita, e acidental, que meus pensamentos desmaiam numa tortura incalculável -- a tortura incalculável de saber que você está lá, Rosemary, mas de não a ver. Você, o seu nome e você, estão na tipografia tortuosa que eu escolhi, uma espécie de homenagem à entidade que você representa, Rosemary. É por isso que eu digo, Rosemary, eu digo o que eu não sei dizer, eu digo o que eu não posso e não consigo dizer -- e você, Rosemary, mesmo sem entender, entende, e me é! Você, que nesse seu estado alheio e nessa sua existência tão feroz, Rosemary, você é quem a minha essência gostaria de ser e não é, porque a minha surdez, Rosemary, me impede de falar. E mesmo assim eu digo, Rosemary, eu digo.