E eis que ainda eu: estava lá, numa imensidão coerente com as limitações de meu coração confinado, preso, cosido a essa sina, maldita desdita. E eis que eu lá: cruento, como uma pintura de Frida Kahlo, meus órgãos expostos, meu sangue jorrando indiferente, se misturando com a urina doentia dos ratos, com a água do esgoto, com as poças da cidade. Ei-me, derretido, derretendo, uma inércia infeliz; ei-me na velha violência gostosa, como um masoquismo, uma inocência torpe de criança, polimorfismo puro. E eis que ainda eu: autômato; minha voz, num ato robótico de luxúria suicida, grita pela solução da charada que eu sou, da charada que todos somos... Ei-me lá, visitando o 612, entendendo os baobabs, pedindo que me entenda, clamando por uma epifania, mentirosa que seja, chorando. Ei-me, só. Uma mente em forma de corpo, estátua no infinito gélido do inconsciente concreto que é o espaço sideral... Imagina-me, imagina-te assim, ilude-te de que é possível: isola-te da condição finita e integra-te. É o único jeito de tolerar, de compreender, de viver, de sentir menos dor.
"Por favor, decifra-me. Decifra-me, ou devoro-me".