Era tão linda a flor, púrpura, e lilás, e cor-de-rosa, como um pôr-do-sol, tão única e ingênua, um encantamento cromático de roxos e violetas, de infinitos matizes profundos, que em meus pobres olhos tão fecundos se criavam. A flor me chama, a voz branda e sussurrada, um inaudível suspiro de flor, uma brisa amorosa que acaricia os meus ouvidos, ela me pede, e eu me aproximo, chegando a ela, calmo, hesitante. "Que me queres, bela flor, de tantas e tão belas cores? Por que chamas a mim, dentre todos os passantes? Por que a mim diriges tua fértil e viva palavra de criança?"
"Bem terias razão," responde-me ela, "se dissesses que podia ter a mim pedido um jardineiro ou um florista, quiçá um botânico, mas és tu aquele de alma com a minha mais parelha," disse, "pois és poeta, e da beleza vives, não da ciência ou do que é lógico e objeto, mas do intangível... A beleza a que aspiras é a que mais da minha se aproxima, algo de divino, o imponderável! Uma beleza tão complexa -- cheia de curvas, dobras e intermináveis cores -- que aos olhos de alguém de um outro mundo arte seria, pois algo tão bonito e complicado ser-lhe-ia sem dúvida trabalho, nunca acaso... Tu, poeta, tens a mesma intenção com teus versos, e por isso escreves flores, e eu sou poesia".
Espantado com tal sábia expressão, de algo tão pequeno e jovem vindo, vê-me ela a retomar a palavra: "Mas ainda não respondeste minha indagação primeira, bela flor: que de mim careces? Que poderia eu, poeta, mero admirador da beleza que passivamente tens, conseguir-te? Que de mim pedes que de nenhum outro amante teu recebes?"
"Sei que me perdoarás por minhas pueris digressões, pois só recentemente descobri a eloqüência e a retórica, e, às vezes, tagarelo sem intenção -- mas roubo-te o tempo, aos homens precioso, e não é minha vontade fazê-lo. Respondo, logo, tua pergunta inicial: de ti necessito que me cantes um poema, quero que me louves a beleza e a efemeridade, quero que me encantes, que me hipnotizes, porque não sei até quando vou durar, até quando posso esta vida, de emoções privada, arrastar", diz-me a flor, inspirando-me algo de dó. "Sei que apenas a palavra eterniza, e tudo o que no mundo quero é viver... Mas o verão logo virá e não sinto ter o poder de suportar tanto calor... O tempo, os bichos, os homens vão aos poucos me comendo, e, quanto mais sou consumida, tanto mais me desespero! É por isso que de ti os versos quero -- que me morram as pétalas, o caule, o pólen, mas que me fique o verbo!"
Comigo ponderei, e lindos versos limei, mas não me cabe vo-los ler, pois são de importância a mim e à flor, somente. Comisero-me da flor que já morreu, mas que sobrevive nas cores faladas e nas complexas pétalas que escrevi, sobrevive nas flores às quais deu origem e nas abelhas que hoje por ela sobrevivem; pois tudo o que fica de nós é verbo, como sabiamente disse a magníloqua flor que àquele dia me requisitou, e da qual alegremente os pedidos atendi.