7 de março de 2009

Espetáculo

As cortinas se abriram em aplausos burgueses. Expectativa; mais uma estréia de espetáculo; o mesmo ar quente e rarefeito de todas as vezes. Atrito da cortina com o chão; sepulcro: começo.

No palco, eram ela e o chão e a luz, só. Baque seco, baque seco, chiado, baque úmido. Cabeça, ombro, joelho e pé. Ali, eram só ela e o chão e a luz, sós. A música era o ruído, o ruído; seu corpo era orquestra, schlup, schlup, schflip, fluap, tum. Olhos a acompanhavam, passo a passo; ela golpeava o ar, focada. Era arte científica, era ciência artística.

E seu braço era espada e cortou o vento, fluf; brigava com a física, brigava com a dança. Ali, naquele palco, eram ela e o chão e a luz, nós. Fluap, tsipf, bum, ela ia ao chão, ângstron por ângstron avançava, caía, dançava, era, ela e sua roupa preta, justa, neutra, invisível.

Pirueta, salto, aterrissagem, dança; o chão estava perto, estava ali, o chão era ela; sem o chão, não se dança, não se é: deve cair! Dança suspensa virá ao chão; luz perto, remotamente próxima, calor anímico; sem luz não se vê.

Violenta, giro, giro, giro, giro e giro e giro e pára, salta abre as pernas, aterrissa. Tacet! A platéia ecoa espanto, a platéia vibra. Hup, hup, hup, hup, hup, schaf. Suor, músculos, schflapt, hup, fu. O chão vibrava, a luz vibrava, ela vibrava; cada movimento imóvel; cada milagre, cada suspiro cada passo.




Chão, chamava, chão, chão, chão.
Luz, clamava, luz, luz, luz.
Eu, buscava, eu, eu, eu.

Ela, respondia, ela, ela, ela.
Teto, ecoava, teto, teto, teto.
Breu, redargüia, breu, breu, breu.




Absoluta, única, só, impávida, concreta, distante, concentrada, admirada. Dança, ela, chão, luz. Flap, flap, flap, fschip, schiff. Cortinas fecham. Aplausos, euforia, flores, parabéns, você conseguiu, meus parabéns mesmo. Ainda era ela e o chão e a luz, ainda não era os outros, ainda não era as cadeiras, ainda não; ainda não platéia, ainda não mundo. Ainda não, mundo.

Voltou a si.

Ah, sim; obrigada, muito obrigada.