26 de setembro de 2010

Dor

pouca coisa descreve a angústia da espera.
a espera é uma doença cuja única cura é a chegada.
mas quando não chega, é terminal.
a espera é aguda.
é a agonia de sentar e sentir aos poucos os olhos úmidos, ofuscados pela luz da esperança.
esperança é placebo.
pouca coisa descreve o patético desfecho de uma madrugada na qual se esperou.
pouca coisa descreve a agonia de se dizer que já amou, mas que se teve que esperar.
e o amor não chegou.
nada descreve a dor irremediável da lembrança.
lembrança da espera.
lembrança da esperança.
lembrança do amor que não chegou.
a espera é uma ausência triste, que incha, mas nunca explode.
é um tumor maligno que te toma a vida discretamente.
eu odeio esperar.
e, como amar pressupõe esperar,
odeio amar.

25 de setembro de 2010

Nox

Ó, noite, que escondes?
que sofrer torpe escondes?
se, de sentimentos livre, choras?

Que ato imoral
em tua vastidão impera?
na devassidão e no desvairio
da tua cegueira?

Que lei míope
nas tuas trevas infindas vigora?
que sentimento forasteiro teu
nos compele
e nos faz sucumbir
aos teus desejos escuros
incertos e nebulosos?

Por que tão caprichosa, noite?
que impulso maligno te dá prazer
nos teus encantos
e nas perdições que causas?

Por que tão tortuosos
e labirínticos os teus caminhos?
por que nos enganas, noite?

od tenebra
tenec tenegrem
able grospe piskliei
tandem angre fugturi
mad tenebra
tenec rabarem
able ri vile ssopir
tandem, tandem tenebra!

2 de setembro de 2010

Pronomes

Amou daquela vez como se fosse a última, mas não foi. A menina seguinte era os mesmos problemas, a mesma atazanação de sempre; lágrimas, lágrimas, nada mais que lágrimas perdidas, é uma idiotice amar-se uma última vez, quando sequer se amou a primeira ainda, pensava consigo, enquanto fumava um cigarro caro que lhe complementava o estilo. Nada valia saber nada; a menina não estava interessada no que dizia, e por isso bebia: para esquecer-se da ignorância dela, ou talvez para torna-se tão ignorante quanto. Um vagalume incendiário, era ele, no bar, enquanto bebia e filosofava, em meio a tragos e goles, enquanto a boemia se desfazia flébil e suas esperanças de encontrar um sujeito para si uno se esvaíam. Ele se desmembrava, se fragmentava, enquanto os roma-ro-ma-mah dos maus romances o rodeavam fantasmagoricamente, categoricamente. Ele queria o intangível, mas contentava-se com o momento, pois chegava a uma conclusão, e isso o assustava.

21 de julho de 2010

Sexo

Não há tempo para consequências, há apenas aqueles segundos preciosos entre a catástrofe e o júbilo, entre o toque e a distância eterna. Uma infinitude de senões e apesares os leva e os afasta um do outro, um pulsar imperceptível, como o bater do próprio coração, natural e incontestável. Não há tempo para conjeturas ou hipóteses, há apenas o certo e o errado -- uma afirmação cabal da dualidade do universo, um manifesto maniqueísta: tudo é cinqüenta por cento. E suas mãos conquistavam uma a outra, num contato frio, trêmulo, úmido, uma troca privilegiada de primeiras experiências, a mais pura aquisição de conhecimento, aprendizagem de vida -- a juventude se contrapunha à maturidade do ato, enquanto as mãos traçavam avenidas geladas pelos braços, cotovelos, ombros, pescoços. Não há mais espaço para teorizações pedantes, há apenas o tempo-espaço do toque, da união mais pura, à qual escapa qualquer definição ou descrição -- há apenas a verdade absoluta dos corpos.

27 de maio de 2010

Dileto

a vontade de fingir
me invade
e me participa

e vai aos poucos fugindo
me enganando
trapaceira
escapulida

a estranha vontade de fingir
se torna confissão
um turbilhão
que vem num soluço
sobe a suspiro
e morre palavra

enquanto isso eu nasço
eu me transbordo
e me solidifico
tentando fingir o não-fingir
buscando sentir o consentir
mas sem sucesso

a mórbida vontade de fingir
que me alucina
e me carrega nos seus braços
rijos e frágeis
sem confiança
com dependência

me estrago no ardor da verdade
me derreto
sou arma fundida
de ferro e calor
da quente palavra que engasga

e morre
desgastada
digerida